Sobre o hífen, esse grande gerador de dúvidas.

Esse momento de transição para o Novo Acordo Ortográfico tornou o hífen em sinônimo de discórdia e símbolo máximo da dúvida. Tadinho do tracinho!

Mas o que aconteceu com o hífen, afinal? Nada. Simplesmente ele cansou de dividir algumas palavras e foi dividir outras. Só trocou de lugar. Sumiu de algumas palavras mas apareceu em outras, como por exemplo mandachuva que antes tinha hífen e agora não tem. O hífen do mandachuva ficou muito desolado e, sentindo-se meio que perdido decidiu aportar no micro-ondas que, antes do Novo Acordo Ortográfico não possuía o hífen.

Algumas expressões consagradas pelo uso perderam o hífen mas nem todas. Ninguém entende porque o para-quedas virou paraquedas e o para-brisa continuou para-brisa. Não conheço uma pessoa sequer que pronuncie "para pausa brisa", ouço sempre "parabrisa" sem nenhuma pausa.

Ninguém mais pode chegar abruptamente numa reunião de negócios. A situação tornou-se impossível desde que nasceu um hifen no meio: ab-rupto, ab-ruptamente. Não me perguntem por quê. Não vi nada sobre isso nas Bases do Novo Acordo Ortográfico.

A meu ver, o prefixo ab- se contradiz nas duas primeiras regras da BASE XVI. Na primeira regra podemos deduzir que não seria correto o uso do hífen. No primeiro ítem da segunda regra pede o hífen. Enfim, nossa ABL deixou a cargo de Evanildo Bechara a decisão final sobre essas lacunas e, apesar da esmagadora maioria dos linguistas e gramaticistas acharem mais apropriado escrever "abrupto", o titio Evanildo achou mais apropriada a forma com hífen, portanto, até que se prove o contrário, ab-rupto será escrito com o hífen.

As Bases do Novo Acordo Ortográfico, assinado pelos países da CPLP e que tratam do uso do hífen são 3: XV, XVI e XVII:

BASE XV DO HÍFEN EM COMPOSTOS, LOCUÇÕES E ENCADEAMENTOS VOCABULARES

1º) Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido:

ano-luz, orce-bispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-
asiático, cifro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva.

Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.

2º) Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos, iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo:

Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Velha, Baía de Todos-os-Santos, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes.

Obs.: Os outros topónimos/topônimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Belo Horizonte, Cabo Verde, Castelo Branco, Freixo de Espada à Cinta, etc. O topónimo/topônimo Guiné-Bissau é, contudo, uma exceção consagrada pelo uso.

3º) Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento:

abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; benção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inâcio, bem-me-quer (nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d'água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro).

4º) Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações:

bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (cf. malcriado), bem-ditoso (cf. malditoso), bem-falante (cf malfalante), bem-mandado (cf. malmandado). bem-nascido (cf. malnascido) , bem-soante (cf. malsoante), bem-visto (cf. malvisto).

Obs.: Em muitos compostos, o advérbio bem aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença, etc.

5º) Emprega-se o hífen nos compostos com os elementos além, aquém, recém e sem:

além-Atlântico, além-mar, além-fronteiras; aquém-fiar, aquém-Pireneus; recém-casado, recém-nascido; sem-cerimônia, sem-número, sem-vergonha.

6º) Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa). Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções:

a) Substantivas: cão de guarda, fim de semana, sala de jantar;
b) Adjetivas: cor de açafrão, cor de café com leite, cor de vinho;
c) Pronominais: cada um, ele próprio, nós mesmos, quem quer que seja;
d) Adverbiais: à parte (note-se o substantivo aparte), à vontade, de mais (locução que se contrapõe a de menos; note-se demais, advérbio, conjunção, etc.), depois de amanhã, em cima, por isso;
e) Prepositivas: abaixo de, acerca de, acima de, a fim de, a par de, à parte de, apesar de, aquando de, debaixo de, enquanto a, por baixo de, por cima de, quanto a;
f) Conjuncionais: afim de que, ao passo que, contanto que, logo que, por conseguinte, visto que.

7º) Emprega-se o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando, não propriamente vocábulos, mas encadeamentos vocabulares (tipo: a divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade, a ponte Rio-Niterói, o percurso Lisboa-Coimbra-Porto, a ligação Angola-Moçambique, e bem assim nas combinações históricas ou ocasionais de topónimos/topônimos (tipo: Austria-Hungria, Alsácia-Lorena, Angola-Brasil, Tóquio-Rio de Janeiro, etc.).

BASE XVI DO HÍFEN NAS FORMAÇÕES POR PREFIXAÇÃO, RECOMPOSIÇÃO E SUFIXAÇÃO

1º) Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.) e em formações por recomposição, isto é, com elementos não autónomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como: aero-, agro-, arqui-, auto-, hio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-, maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-, tele-, etc.), só se emprega o hífen nos seguintes casos:

a) Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiénico/anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro, contra-harmónico/contra-harmônico, extra-humano, pré-história, sub-hepático, super-homem, ultra-hiperbólico; arqui-hipérbole, eletro-higrómetro, geo-história, neo-helénico/neo-helênico, pan-helenismo, semi-hospitalar.

Obs.: Não se usa, no entanto, o hífen em formações que contêm em geral os prefixos des- e in- e nas quais o segundo elemento perdeu o h inicial: desumano, desumidificar, inábil, inumano, etc.

b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal com que se inicia o segundo elemento: anti-ibérico, contra-almirante, infra-axilar, supra-auricular; arqui-irmandade, auto-observação, eletro-ótica, micro-onda, semi-interno.

Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.

c) Nas formações com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, m ou n (além de h, caso já considerado atrás na alínea a): circum-escolar, circum-murado, circum-navegação; pan-africano, pan-mágico, pan-negritude.

d) Nas formações com os prefixos hiper-, inter- e super-, quando combinados com elementos iniciados por r: hiper-requintado, inter-resistente, super-revista.

e) Nas formações com os prefixos ex- (com o sentido de estado anterior ou cessamento), sota-, soto-, vice- e vizo-: ex-almirante, ex-diretor, ex-hospedeira, ex-presidente, ex-primeiro-ministro, ex-rei; sota-piloto, soto-mestre, vice-presidente, vice-reitor, vizo-rei.

f) Nas formações com os prefixos tónicos/tônicos acentuados graficamente pós-, pré- e pró-, quando o segundo elemento tem vida à parte (ao contrário do que acontece com as correspondentes formas átonas que se aglutinam com o elemento seguinte): pós-graduação, pós-tónico/pós-tônicos (mas pospor); pré-escolar, pré-natal (mas prever); pró-africano, pró-europeu (mas promover).

2º) Não se emprega, pois, o hífen:

a) Nas formações em que o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes duplicar-se, prática aliás já generalizada em palavras deste tipo pertencentes aos domínios científico e técnico. Assim: antirreligioso, antissemita, contrarregra, contrassenha, cosseno, extrarregular, infrassom, minissaia, tal como hiorritmo, hiossatélite. eletrossiderurgia, microssistema, microrradiografia.

b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente, prática esta em geral já adotada também para os termos técnicos e científicos. Assim: antiaéreo, coeducaçao. extraescolar, aeroespacial, autoestrada, autoaprendizagem, agroindustrial, hidroelétrico, plurianual.

3º) Nas formações por sufixação apenas se emprega o hífen nos vocábulos terminados por sufixos de origem tupi-guarani que representam formas adjetivas, como açu, guaçu e mirim, quando o primeiro elemento acaba em vogal acentuada graficamente ou quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: amoré-guaçu, anajá-mirim, andá-açu, capim-açu, Ceará-Mirim.

BASE XVII DO HÍFEN NA ÊNCLISE, NA TMESE E COM O VERBO HAVER

1º) Emprega-se o hífen na ênclise e na tmese: amá-lo, dá-se, deixa-o, partir-lhe; amá-lo-ei, enviar-lhe-emos.

2º) Não se emprega o hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, hão de, etc.

Obs.: 1. Embora estejam consagradas pelo uso as formas verbais quer e requer, dos verbos querer e requerer, em vez de quere e requere, estas últimas formas conservam-se, no entanto, nos casos de ênclise: quere-o(s), requere-o(s). Nestes contextos, as formas (legítimas, aliás) qué-lo e requé-lo são pouco usadas.

2. Usa-se também o hífen nas ligações de formas pronominais enclíticas ao advérbio eis (eis-me, ei-lo) e ainda nas combinações de formas pronominais do tipo no-lo, vo-las, quando em próclise (por ex.: esperamos que no-lo comprem).

Base XV, XVI e XVII retiradas do site CPLP:
[ Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa ] (assinado a 16 de Dezembro de 1990.pdf)

9 comentários:

Anônimo disse...

vc é prof de portugus? tão dizendo q o brasil se preiciptou com o novo acordo queria saber o q c acha.

Unknown disse...

Oi, Anônimo(a).
Não, não sou professora de português, apenas concordo que temos a obrigação de conhecer nossa língua pátria. Ainda que ocorram muitas falhas, minha intenção primeira é melhorar e aprimorar meu conhecimento até pra poder ser uma boa representante do Brasil em solo estrangeiro. Tenho uma natural curiosidade em entender o que pretendem dizer/escrever tanto os intelectuais quanto as camadas mais humildes de nossa sociedade. A Língua Portuguesa é a ferramenta ideal para isso e, como tal, não posso desprezá-la.
O Novo Acordo Ortográfico, para ser completo, precisaria que todas as lacunas e dúvidas fossem solucionadas em conjunto pelos países da CPLP. A intenção é unificar o idioma, então nada mais justo que os dicionários pudessem ser utilizados em qualquer desses países. Porém, não é assim que vai ocorrer, visto que, as lacunas e dúvidas estão sendo definidas por cada país de forma independente.

No caso do Brasil, Evanildo Bechara é a pessoa responsável por esclarecer as dúvidas, preenchendo essas lacunas. Em Portugal esta função é de Malaca Casteleiro. Evanildo escolheu "para-raio" como forma correta, o Malaca pode escolher "pararraio" como grafia correta.

Daí dá para perceber porque estão dizendo que o Brasil se precipitou com o Novo Acordo Ortográfico.

A resposta à sua pergunta quanto a minha opinião é: Sim, o Brasil foi precipitado.

A precipitação parece fazer parte da cultura brasileira. Nossa imprensa é a campeã da precipitação.

Beijinhos carinhosos

bastaestarvivo disse...

Oi Elida,
eu não sou o anonimo aí de cima não, inclusive, se bebesse, preferiria ser um bêbado conhecido do que um alcólatra anônimo.rs.
Falando sério: e haja precipitação hein.
E o que que é isso, trocar abrupto por ab-rupto. Esse Bechara tá de brincadeira. E cheio de poder nas mãos, o que é (bem) pior. Sabe "Lingua" do Caetano?
Ah, pra terminar: eu sou flamengo e não desfaço de ninguém, mas acho tão bonitinho qdo vejo um(a) torcedor(a) do américa. assim tipo eu acharia um unicórnio sabe? adorable. sem maldade.na boa.

Unknown disse...

Essa do ab-rupto deveria ter entrado na regra do "uso consagrado". É um contrasenso (com hífen ou sem?) ter palavras que tinham hífen e o perderam pelo uso consagrado e outras de "uso consagrado" passarem a ter hífen. São dois pesos para a mesma medida, coisa de louco mesmo!

Essa do unicórnio... Hahahahahahahahahahahahahahaha...

Uma verdade é mais que certa: torcedores rubros são pessoas raras, em todos os sentidos. :)

Muito prazer em conhecê-lo. Seja sempre bem-vindo!

Beijinhos carinhosos

Anônimo disse...

Só quero dizer que é um grande blog você tem aqui! Eu estive por aí por bastante tempo, mas finalmente decidiu mostrar o meu apreço pelo seu trabalho! Polegares para cima e mantê-lo ir!

Unknown disse...

Grata, Anônimo!
Tenha um excelente Natal e um 2011 repleto de prosperidades. :)

Bjs carinhosos

Anônimo disse...

Lo que es un buen puesto. Me encanta la lectura de estos tipos o artículos. Puedo? Esperar a ver lo que otros tienen que decir.

Estéfane disse...

Olá Elida!Gostei de tirar algumas dúvidas em seu blog, principalmente de hífen.
Você é realmente uma pessoa de admirar.Grande abraço

Unknown disse...

Oi, Estéfane

Bem-vinda!

Grata pela visita. :)

Bjs carinhosos
Elida