Domingo desses, antes de começar o tratamento pra inflamação do ouvido, estava à toa na vida e como meu amor não me chamou resolvi sair pra tomar uma cervejinha e ver o povo passar. Banho tomado, roupa vestida, Vencecavalo e o outro povo na bolsa e muita disposição pra curtir minha tarde.
Fui pro Baixo Méier e dei-me por satisfeita quando vi que o lugar estava mesmo mais ou menos o que eu tinha imaginado: uma mesa ou outra ocupada, algumas famílias alguns grupos pequenos de amigos. Sentei, pedi minha cervejinha, observei um pouco os arredores e parabenizei a mim mesma pela escolha, com certeza eu teria uma tarde bem tranquila.
No início estava tudo bem. Comecei a ler meu livro e ria de vez em quando com a criatividade e a ironia de João Ubaldo Ribeiro. Lá pelas tantas páginas viradas, no meio da segunda cerveja, senta um moço na minha mesa. Moreno. Cheirosíssimo. Levantei os olhos do livro pra minha 'visita' e fiz a pergunta com um leve movimento de sobrancelha. Ele estava sorrindo, tinha apoiado um dos cotovelos na mesa e segurava o queixo com a mão. O outro braço ele havia apoiado em paralelo com a aresta da mesa. Ele entendeu a pergunta sem eu precisar abrir a boca.
"Oi, tudo bem?" foi o que ele me respondeu.
Por algumas frações de segundo fiquei a listar e avaliar as respostas gentis e certeiras que poderia dar a esse simples cumprimento, que tantas perguntas e convites trazia no
olhar. Não consegui pensar em nada 'certeiro', o Ubaldo já tinha feito inúmeras massagens no meu bom-humor.
"Tudo bem se você quiser apenas conversar, sem cantadas ou qualquer coisa do tipo" foi o que consegui responder.
Ele se levantou, pediu uma cerveja ao garçon, juntou outra mesa ao lado da minha e sentou ao meu lado. "Tá bom, dona Desconhecida. Eu topo sua condição. Vamos apenas conversar".
Entre arrependida e irritada, com um tantinho de sentimento de culpa sem motivo, fechei o baiano e o apoei com carinho nas minhas pernas, já morrendo de saudades da cidade entre as páginas. O moço ficou olhando o livro, ao mesmo tempo distante e intensamente presente. Poderia traduzir os pensamentos dele, com uma margem de erro em menos de 1%. O garçon chegou com a cerveja dele e aproveitei a ocasião para pedir que mantivesse as contas separadas. Pedi uma água mineral também, achei mais conviniente para manter-me desperta.
O moço disse que sabia que eu ia querer contas separada e que tinha sido por isso que havia colocado a outra mesa, facilitaria à casa registrar o consumo de cada um. Duvidei um pouco dessa intencionalidade dele mas não havia como negar a lógica do raciocínio.
"Você tem nome, dona Desconhecida? O meu é Wagner."
Falei meu nome.
"Que coincidência. Essa semana estava ajudando meu filho com os exercícios de português e o texto que a professora dele passou era de uma escritora com o nome igual ao seu. Comentei com ele que o nome era raro, eu ainda não tinha conhecido ninguém com esse nome, só aquela atriz..."
"Lembra como era o texto?"
"Lembro, era..."
Wagner começou a contar algumas partes do texto e fui tomada pela boa surpresa. Perguntei se o filho dele tinha gostado do texto e ele respondeu que sim.
"E você, o que achou?"
Fiquei ouvindo a opinião dele e a cada palavra meu orgulho aumentava. Resisti à tentação de contar que eu era a autora. Ele perguntou se eu tinha e-mail e se ofereceu pra me enviar o texto. Balancei. Caso desse meu e-mail, ele veria o sobrenome e ligaria o texto à minha pessoa. Sem saber o que fazer, eu disse que fazia Letras e que tínhamos analisado o texto na sala de aula.
"Você também conhece? É bom, né? Aquela mulher deve ser espirituosa e um bocado inteligente".
"Eu não acho, eu tenho certeza". - comentei rindo. Perguntei se ele tinha pesquisado a escritora no Google, já que tinha gostado tanto do texto.
"Pesquisei. Apareceu uma coisa ou outra mas não encontrei muita coisa dela. Fui nos blogues e lá também não tem trabalho dela. Ela trabalha com cultura, pelo que vi. Tinha o e-mail dela lá, ia mandar alguma coisa... um elogio pelo trabalho mas deixei pra lá. Essa gente vive em outro mundo, gosto mais de gente assim como você."
"Assim como eu, como?"
"Assim como eu e você, que a gente pode encontrar a qualquer hora e trocar umas ideias. E aí, me fala de você."
Dei uma respirada, tentando calar a gargalhada na minha cabeça. Ingeria aquela situação como quem se esbalda numa piscina de bolhas. Ficava imaginando as diferentes expressões dele se eu revelasse que 'ela' era eu, 'como eu e você'. Estranhando meu silêncio prolongado ele continou...
"Não quer falar de você? Tudo bem, eu que fui o atrevido então vou falar um pouco de mim pra você poder relaxar, me conhecer e saber que está em boa companhia."
Falou sobre a separação, sobre os filhos, sobre o trabalho, sobre os amigos. Com a semelhança do nome e a igualdade de profissão, tive que perguntar: "Você é taurino?"
"Taurino? Tenho jeito de taurino? Sou de 25 de julho, leonino. E você?"
"Impulsivos, apaixonados, festeiros." - pensei -, "Geminiana", respondi.
"Geminiana? Geminianas são 'safo'. Inteligentes, comunicativas, espertas, independentes e versáteis. Estou certo?"
"Inteligente, creio que sim; comunicativa, com certeza; esperta, nem sempre; nem tão independente quanto quero e, sim, bastante versátil."
O atrevido acabou se revelando uma ótima companhia. Aprofundado em diversos assuntos - vantagem incomparável de homens maduros -, a conversa fluiu fácil e descontraída. Em meia hora parecíamos velhos conhecidos.
A água mineral a muito tinha acabado. Na terceira latinha de Nestea e com a noite iniciando seu turno achei que era hora de dar meu passeio por encerrado. Ele mostrou um expressão de decepção. Pediu meu e-mail e me ofereceu seu cartão. Não dei o e-mail, ele veria o sobrenome. Um tanto insegura, dei o número do meu celular. Não deixou que eu pagasse minha conta.
Tomei o caminho de volta pra casa com um pouco de pressa. A poucos minutos o cel toca, anunciando a chegada de um torpedo.
"Foi um prazer te conhecer."
"Igualmente" - pensei comigo e desliguei o aparelhinho.
No dia seguinte respondi: "Grata pela boa noite de sono, me diverti bastante em sua companhia."
Bjs carinhosos
Um comentário:
Oi, tudo bem? Venho oferecer meu award de Natal. Tá na coluna das postagens. Desejo que seu Natal seja de muita paz, amor, harmonia e saúde. E que em 2011 você e seus entes queridos tenham suas tristezas zeradas e suas alegrias milhões de vezes multiplicadas. Beijos.
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